O necessário debate sobre as reformas trabalhistas

Escrito por .

Por Ricardo José Macedo de Britto Pereira, Subprocurador Geral do Trabalho


Artigos jornalísticos têm questionado a participação de entidades de defesa dos direitos sociais trabalhistas nos debates sobre as propostas de reforma trabalhista. Um, recentemente veiculado, é o editorial do Estado de São Paulo, de 28.01.2017, intitulado "Ideologia no MP do Trabalho". A matéria critica o posicionamento desse ramo do MPU sobre os projetos de reformas, atribuindo-lhe "conteúdo essencialmente político, como se fosse uma entidade de classe". Trata-se de um jogo de palavras de amplo espectro semântico e que pode ser utilizado com muita variedade, inclusive inversamente para ressaltar o caráter político-ideológico do próprio texto jornalístico.

A Constituição brasileira não acolhe a acepção estreita de "política". A representação política é apenas uma das várias outras vias de interlocução da sociedade e de maneira alguma a única portadora da consciência social em torno da realidade brasileira. As entidades que atuam na defesa dos direitos sociais trabalhistas são as que vivenciam o dia a dia dos trabalhadores brasileiros, os seus dramas e sofrimentos. Também presenciam as boas práticas em conformidade com o ordenamento jurídico. Menosprezar a participação e a interferência dessas entidades compromete diagnósticos e inviabiliza a adoção de medidas apropriadas dentro dos limites constitucionais. As avaliações sobre as reformas não estão fora dos campos jurídico e acadêmico.

Em geral, acusa-se de "ideológico" o propósito de avançar com um conjunto de ideias, vencendo barreiras e resistências a sua implementação, mediante a desqualificação dos oponentes, sem enfrentar o conteúdo das colocações. Porém, esse debate é fundamental para a sociedade brasileira e não pode ser mascarado. Até o momento não há estudos ou indicadores sinalizando à adequação das propostas ao enfrentamento dos principais desafios da atualidade, como é o caso do elevado desemprego. A flexibilização da jornada de trabalho estimula a menor e não a maior contratação de trabalhadores.

A ampliação da negociação coletiva em detrimento da legislação tampouco pode contribuir, inclusive porque deixa de lado ponto essencial, que é a reforma do modelo sindical carente de representatividade. A liberação da terceirização em todas as atividades empresariais pode ampliar significativamente as dispensas de empregados diretos ante a expectativa de contratação de terceirizados. São apenas projeções possíveis, assim como as que dão suporte às reformas. Porém, é certo que as propostas devem se ajustar ao modelo constitucional de relações de trabalho, que é fruto de lutas e avanços sociais ocorridos ao longo de vários anos.

Pode igualmente ser taxada de ideológica, no sentido de criar falsa percepção da realidade, a afirmação de que o modelo atual gera insegurança jurídica. A denominada "indústria das reclamações trabalhistas" subverte totalmente a perspectiva de análise do problema. Quem atua junto à Justiça do Trabalho sabe que o volume de ações existentes na Justiça do Trabalho decorre muito menos da ação indevida de advogados de empregados, argumento utilizado para apoiar as reformas, do que do descumprimento sistemático do ordenamento jurídico por parte de alguns empregadores. A legislação processual vem aprimorando o sistema para coibir a litigância de má-fé de empregados, mas não venceu a prática de empregadores de contabilizar rendimentos com a utilização do sistema judicial denominado "paternalista", justamente porque ainda não oferece respostas na mesma proporção das vantagens obtidas com a violação dos direitos.

O MP do Trabalho respeita os interlocutores das propostas de reforma trabalhista e considera os pontos de vista por eles externados, mas nos limites constitucionais e das convenções e tratados internacionais. Pode-se dizer que o faz de acordo com uma vasta experiência de atuação na área trabalhista, bem como sua ideologia de proteção aos direitos, da melhoria das condições sociais e da preservação da dignidade dos trabalhadores.

* Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

Imprimir