Trabalho análogo ao de escravo foi tema de debate em Belo Horizonte

Os complexos desafios que o combate ao trabalho análogo ao de escravo impõe, o histórico e as estatísticas que envolvem o tema, foram tratados durante um seminário realizado em Belo Horizonte, na tarde desta quarta-feira, 20. Além da apresentação do diagnóstico no Brasil, palestrantes analisaram proposta de regulamentação da EC 81/2014, que prevê a expropriação de terras, onde o trabalho escravo tenha sido flagrado.

Para a procuradora do Ministério Público do Trabalho, Adriana Souza, a legislação atual é clara e completa. "O artigo 149 do Código Penal elenca as quatro situações que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo – trabalho forçado, degradante, servidão por dívida e jornada exaustiva - e o substrato jurídico é dado expressamente pela Constituição Federal em seus artigos 1º e 5º, ao dispor que o Estado Democrático de Direito tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante, portanto não havendo que se falar em regulamentação da novel EC 81/2014 quanto a definição de trabalho análogo a escravo para fins de expropriação de terras".

Enfático em sua posição contrária à proposta de regulamentação da EC 81, o auditor fiscal Marcelo Campos, entende que as instituições de defesa do cumprimento da legislação do trabalho devem se organizar para defender no Congresso a prevalência do conceito atual de trabalho análogo ao de escravo, que está rigorosamente apoiado na defesa da dignidade humana. "Ora, o que difere o trabalhador moderno do escravo é justamente o respeito à sua dignidade, que veio por meio da garantia de direitos fundamentais, estabelecidos na Constituição e em outras normas. Subtrair-lhe esses direitos, roubar-lhe a dignidade é retroceder ao modelo de trabalho escravo", enfatiza o auditor.

Enfatizando que os resultados da atuação diária de órgãos que estão na linha de frente, como o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho, registram importantes avanços ao longo dos últimos 20 anos, já tendo atingido a marca de quase 50 mil trabalhadores resgatados, o juiz do Trabalho em Marabá Jônatas Andrade defendeu a intensificação da atuação conjunta entre instituições, para diversificar as ações de repressão e devolver a dignidade ao explorado: "Para quebrar o ciclo de exploração não basta resgatar, é preciso emancipar", enfatizou Jônatas.

O juiz citou o exemplo do projeto "Ação Integrada", concebido por diversas instituições no Mato Grosso, a partir da angustia dos auditores fiscais de verem escravizados trabalhadores já resgatados. O projeto tem por objetivo capacitar vitimas do trabalho escravo para ocupar novo espaço no mercado de trabalho. Os resultados do projeto motivaram a Organização Internacional do Trabalho a fomentar a ampliação do projeto para outras localidades.

As parcerias que já existem em Minas Gerais, bem como as principais barreiras que dificultam o enfrentamento global da questão foram destacadas por Adriana Souza e Marcelo Campos. Segundo Adriana Souza, ainda é difícil condenar empregadores na esfera criminal: "Na Justiça Federal tem de provar o dolo do autor do crime, provar que o empregador pessoa física teve a intensão de explorar. Muitas vezes as provas só poderão ser colhidas durante inspeção, em depoimentos por exemplo. Para viabilizar o processo criminal, membros do MPT e do MTE buscam elementos que possam subsidiar a instrução do processo criminal, além da investigação própria da responsabilização pelos ilícitos trabalhistas".

Para a procuradora Adriana Souza, a legislação atual é clara e completa
Para a procuradora Adriana Souza, a legislação atual é clara e completa

Marcelo Campos chamou a atenção para a redução no quadro de auditores fiscais em todo Brasil: "Hoje temos mil auditores a menos do que tínhamos em 1995, na contramão da expansão econômica e do aumento do emprego que o pais vivenciou.

A discussão da terceirização no Supremo Tribunal Federal também foi lembrada como um dos agentes precarizantes: "Em cada 10 ações, pelo menos nove envolve terceirização ilícita", destacou Marcelo Campos.

Encerrando a tarde de debates, o deputado Nilmario Miranda enfatizou que a exploração do trabalho análogo ao de escravo precisa deixar de ser uma opção economicamente viável, para que as ações de combate sejam mais eficazes.

O seminário reuniu representantes de uma rede de instituições com atribuições distintas mais complementares em relação à questão. Também foi ocasião para o lançamento oficial da campanha de Enfrentamento ao Trabalho Análogo ao de Escravo, do Fórum de Interinstitucional e Estadual permanente sobre o tema e do Comitê Regional do Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas ao Tráfico de Pessoas – Fonatrape.

Estiveram presentes no seminário, que foi realizado no auditório do Tribunal Regional do Trabalho, representantes da Justiça do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho, da Organização Internacional do Trabalho, da Ordem dos advogados do Brasil, da Justiça Federal, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e das centrais sindicais.

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