Nota Técnica do CSMPT – Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho PL 4.330/2004

O Projeto de Lei (PL) 4.330/2004, em tramitação na Câmara dos Deputados, permite a prática da terceirização de serviços em todas as atividades empresariais, inclusive nas atividades finalísticas das empresas estatais, rompendo com o limite atualmente previsto na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que restringe a terceirização às atividades-meio, assim consideradas as atividades de apoio administrativo.

Essa generalização indiscriminada da subcontratação do trabalho no país constitui verdadeiro atentado à dignidade humana do trabalhador brasileiro, princípio fundamental da República, alinhado com ordenamento jurídico internacional, expressamente proclamado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas - ONU, e em diversas Convenções da Organização Internacional do Trabalho - OIT.

Conforme revelam diversos estudos científicos e demonstram diversas ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho, a terceirização é um fenômeno que precariza as condições de trabalho, fragiliza o vínculo trabalhista, dispersa a organização sindical dos trabalhadores, reduz a saúde e segurança no trabalho e baixa profundamente os níveis de efetividade dos seus direitos sociais, no setor público ou privado.

O trabalho terceirizado sofre redução média de remuneração na ordem de 27% quando comparado ao emprego direto; por sua vez, a jornada de trabalho é superior, em média, 03 (três) horas por dia; a rotatividade no emprego é muito superior à do empregado direto, variando em torno de um ano e meio a duração dos contratos de trabalho; o trabalhador terceirizado está muito mais vulnerável à inadimplência dos seus direitos, com maior nível de demanda perante a Justiça do Trabalho; a alta rotatividade contratual prejudica o gozo de direitos como férias, depósito de FGTS e contribuição previdenciária para aquisição de aposentadoria; a dispersão dos trabalhadores terceirizados entre diversos sindicatos desvinculados da atividade econômica da empresa contratante fragiliza a coalização sindical e enfraquece o poder de negociação, inviabilizando direitos como a participação nos lucros e o direito de greve.

Pressionado pela lógica de mercado que rege o contrato de prestação de serviços, o investimento em medidas de saúde e segurança do trabalho é reduzido substancialmente para garantia do menor preço, favorecendo maior nível de acidentes e adoecimentos.

Pesquisas recentes demonstram que nas operações de trabalho escravo realizadas pelo Ministério do Trabalho, no período de 2010 a 2013, 83% dos trabalhadores submetidos a condições análogas a de escravo estavam intermediados por empresas de terceirização.

No setor público, a aprovação do projeto é especialmente preocupante, pois a utilização desenfreada da terceirização como instrumento de alocação de mão de obra no âmbito dos órgãos e entes públicos viola frontalmente a regra constitucional do concurso público, fomentando o aumento da corrupção.

Ao permitir que o concurso público seja amplamente substituído pela contratação de empresas terceirizadas, o Projeto afronta o princípio constitucional da impessoalidade, inerente à Administração Pública (Constituição, art. 37, II e § 2º), facilitando a instrumentalização dos contratos de prestação de serviços como veículo de nepotismo e corrupção, por meio de licitações fraudulentas, formação de cartel, superfaturamento e toda sorte de artifícios voltados ao desvio de recursos públicos, como lamentavelmente se tem constatado em contratações públicas nos mais diversos níveis de gestão, situações comumente confirmadas nas ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho e que estarrecem a sociedade brasileira.

A imposição de limites à terceirização é exigência constitucional, para compatibilizar os ditames da livre iniciativa com a afirmação dos direitos fundamentais dos trabalhadores. No setor público, esta limitação é necessária para preservar a organização funcional impessoal da Administração Pública.

A aprovação do PL 4.330/2004, no ponto em que libera a terceirização na atividade-fim das empresas, ensejará a prática da terceirização desmedida e sem responsabilidade social, esvaziando a eficácia dos direitos fundamentais dos trabalhadores e constituindo, assim, a mais rigorosa reforma flexibilizadora de direitos trabalhistas após à Constituição de 1988, em indesejável retrocesso social, que colide com o princípio constitucional de melhoria das condições sociais dos trabalhadores (Constituição, art. 7º, caput).

Diante das razões expostas, o Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho manifesta-se pela rejeição do Projeto de Lei (PL) 4.330/20014 no ponto em que autoriza a terceirização em quaisquer atividades empresariais, manifestando-se pela manutenção do limite previsto na Súmula 331 do TST.
Brasília/DF, 13 de abril de 2015.

LUIS ANTONIO CAMARGO DE MELO
Procurador-Geral do Trabalho
Presidente do CSMPT – Conselho Superior do Ministério Público do Trabalho

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